Há uma frase de Andy Hargreaves a respeito da educação que nos provoca a pensar sobre nossos modelos atuais de avaliação: “Mensure o que você valoriza em vez de valorizar apenas o que você consegue mensurar Ao olhar para as nossas formas de avaliação hoje, por um lado, temos as exigências de cada modelo de ensino e aprendizagem das Instituições de Educação Superior (IES). Essas são embasadas na perspectiva das diferentes avaliações internas e externas, envolvendo o planejamento, a criação de distintas avaliações, as articulações docentes, o planejamento de calendário, entre outros aspectos. Por outro lado, está o professor, com carga de trabalho acirrada, múltiplas avaliações para produzir, aplicar e oferecer feedback.
Lembro-me de estar em uma “semana de provas” há diversos anos, vestindo o “chapéu” de professor, quando um estudante me procurou para falar sobre carreira. Era um assunto relevante, diretamente relacionado a seu futuro e à área em que estava se formando. Apesar da importância, aquele assunto não cabia na perspectiva de avaliação do curso, muito menos nos conteúdos cobrados naquela etapa. Ironicamente, a preocupação do estudante com a carreira de Administração estava atrapalhando a semana de provas que faziam parte do percurso para se tornar um Administrador.
Ali estava um item relevante, mas fora da pauta. Naturalmente, conversamos, fiz algumas perguntas, ajudei o discente a avaliar alguns pontos de desenvolvimento e ele foi embora. Eu sequer lembraria dessa conversa se um dia não fosse procurado por ele para me dizer que aquele fora um dos momentos de maior aprendizado do curso. Na hora, não soube dizer se estava feliz por ter ajudado ou profundamente preocupado com nossos sistemas de avaliação. Entre preocupação e alívio, lembrei que tinha mais provas para corrigir e voltei ao trabalho.
Nesse cenário de concorrência de atividades e escassez de tempo, a provocação de Hargreaves precisa ecoar. Quando falamos em avaliar, falamos em colocar em ênfase o que é de fato importante. Se é importante, precisa ser avaliado! Mas como fazê-lo?
Essa pergunta reverberou quando eu fazia a minha tese de doutorado, a respeito de Arquiteturas Pedagógicas (AP) Inovadoras. Uma arquitetura pedagógica envolve aspectos organizacionais, metodológicos, tecnológicos e de conteúdo e é impossível avaliar se ela é eficaz ou não sem analisarmos a que ela se destina. Em minha pesquisa, apareceram alguns dados interessantes, como o fato de que uma AP seria inovadora quando promovesse aprendizagem ativa, colaborativa e significativa. Por isso, parte do percurso da tese se destinou a desenhar meios de avaliação para garantir que os processos de ensino e aprendizagem, ao longo do caminho, viabilizassem os resultados pretendidos.
Nesse sentido, a avaliação genuína assumiu papel de protagonista do modelo. Ela permite alertar a mudança de rumos, externalizar problemas e instiga a refletir. Quais as opções de ação em caso de resultados abaixo dos desejados? Como utilizar a avaliação para aprender e não apenas para diagnosticar êxitos e fracassos?
Em uma perspectiva de enxergar o futuro, o modelo de avaliação precisa ser amplo, ir do indivíduo, passar pelo currículo e reverberar na própria instituição como um todo. Se o que fazemos não está alinhado com os profissionais/cidadãos/seres humanos que desejamos formar, então não estamos suficientemente articulados.
Por isso, quando fui convidado pelo GEDUC 2022 a falar sobre novos modelos de avaliação, procurei olhar para o presente e para o futuro. Envolvido nesse processo, elaborei 4 dicas para gestores e educadores preocupados em visualizar os modelos de avaliação do futuro em seus contextos:
1. Adote um framework: a literatura de educação apresenta múltiplos modelos de avaliação que já foram testados e que podem ser excelentes pontos de partida. Na vida real do gestor educacional, ouso dizer que nenhum framework virá “puro”, então é importante explorar várias possibilidades a fim de elaborar um modelo próprio híbrido e consistente, ainda que simples;
2. Da emergência aos cuidados intensivos: até pouco tempo, os processos de ensino e aprendizagem no ensino superior se assemelhavam a um Pronto Atendimento de um hospital. Profissionais preparados para diferentes cenários recebem seus pacientes em diferentes estados e vão adequando a abordagem de acordo com os resultados, até estabilizar a situação. A educação presencial ainda traz muitos desses elementos. Quantas vezes um professor já “salvou” um plano de aula em disparidade com o perfil da turma? No entanto, precisamos transpor a metáfora e pensar nos cuidados intensivos. Em uma UTI, o paciente está estabilizado e monitorado sob diversas lentes, todas orientadas a acompanhar qualquer alteração. São analisadas todas as dimensões consideradas importantes para manter a vida e/ou recuperar o paciente. Nessa perspectiva, a educação não pode se dar ao luxo de muitos improvisos, precisa de modelos consistentes e testados, com tecnologia, fornecedores, profissionais orientados ao mesmo objetivo. Aqui parceiros podem servir de monitores de diferentes indicadores, mas sempre alinhados com o propósito final.
3. Personalize o olhar para o estudante: com um modelo definido, torna-se relevante configurar os aspectos tecnológicos, metodológicos e de conteúdo para atender aos objetivos. O monitoramento de indicadores propicia a intervenção – automatizada ou não – na trajetória de desenvolvimento do estudante. Aqui há primorosas oportunidades tecnológicas e vale considerar o desenvolvimento de soluções próprias e adequadas ao contexto. Mas se Einstein, por exemplo, utilizamos a articulação entre as ferramentas de storyboard do estudante e a atuação do Escritório de Carreiras, que se reúne mensalmente com o estudante e realiza o feedback do processo de avaliação 360º, a partir de informações da avaliação de ensino e aprendizagem, avaliação do supervisor de prática – o curso tem um mínimo de 1000 horas de prática –, autoavaliação e avaliação dos pares.
4. Trabalhe em parceria: existem soluções que podem potencializar seu modelo de ensino e aprendizagem. Assim como em uma UTI os hospitais trabalham com diferentes fornecedores suprindo as necessidades, também é possível trabalhar com parceiros que potencializem seus resultados de aprendizagem em diferentes dimensões. Um exemplo é a Solução ENADE da Saraiva. Ela propicia diferentes resultados, a depender do objetivo, que pode ser desde manter-se alinhado a resultados externos até gerar trilhas de desenvolvimento individual para cada estudante.
Por fim, enxergar o futuro da avaliação parte da escolha de “mensurar o que valorizamos”, seja em termos individuais, grupais ou institucionais. É o resultado dessa mensuração que externalizará o perfil de egressos e o impacto desejado pela IES. Essa trajetória é desafiadora e implica investimento de recursos e esforços, mas certamente potencializa o extraordinário da educação.
João Paulo Bittencourt é Gerente de Ensino Superior e Coordenador do Curso de Graduação em Administração de Organizações de Saúde da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein
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