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Habemus BNCC!


A Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio é o primeiro passo para a construção de uma escola que aposte mais no desenvolvimento do aluno.


Após um longo processo de discussão por todo o país, enfim o Brasil concluiu a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A parte que faltava do documento, referente ao Ensino Médio, foi aprovada em dezembro passado. Reformular o Ensino Médio sempre foi um tema delicado, desde a criação de uma Medida Provisória referendando como deveria ser essa etapa até a aprovação da BNCC, bastante consonante com a Lei do Novo Ensino Médio. Passada essa fase, o documento chega às nossas mãos com alterações importantes no modo de ensinar e aprender, visando oferecer uma posição de maior protagonismo no jovem e garantindo a todos os mesmos direitos de aprendizagem.


O problema não é necessariamente o Ensino Médio. Desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental, é possível enxergar deficiências. Uma vez que hoje em dia há uma escola muito conteudista, no caso do Ensino Médio, com treze disciplinas que não conversam entre si, possivelmente a falha na Educação brasileira se explica pelos altos índices de abandono escolar. Atualmente, 28% dos estudantes de Ensino Médio têm mais de dois anos de atraso; 26% abandonam a escola ainda no primeiro ano, e a variação do índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi positiva apenas de 0,3 pontos entre 2005 e 2011. Temos, ainda, aproximadamente dois milhões de estudantes fora dessa etapa e formando a geração “nem-nem” (nem trabalha nem estuda). Além disso, o número de matrículas é cada vez menor ao longo dos últimos cinco anos, com decréscimo significativo. Nós estagnamos em relação a quase todas as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE).


E o que muda com esse novo Ensino Médio? A carga horária será dividida em 60% para os conteúdos essenciais para a aprendizagem, definidos pela BNCC, e em 40% para os itinerários formativos (IFs). Ao todo, deve ser trabalhado em, no mínimo, 3000 horas, podendo ser flexível a distribuição da carga horária ao longo dos anos. Na estrutura proposta pelo documento, os componentes curriculares (as disciplinas trabalhadas atualmente) são distribuídos em quatro áreas do conhecimento, preenchendo os 60% da carga horária, sendo apenas Língua Portuguesa e Matemática obrigatórios nas três séries.


Os IFs são caminhos distintos que possibilitam os estudantes ajustarem as suas preferências aos seus projetos de vida, cuja oferta considera as possibilidades das escolas e redes. A carga horária destes pode ser distribuída em até cinco itinerários, que podem se transformar em múltiplas possibilidades, ou, o que é a grande novidade do Novo Ensino Médio, contemplar a formação técnica e profissional. A intenção é que os IFs se materializem no protagonismo juvenil, e isso pode ser feito por meio de laboratórios, oficinas, clubes, observatórios, entre outros.


O que se espera com essa ideia é que o estudante brasileiro não apenas foque na absorção de conteúdos e que possa ter um espaço de construção coletiva. A escola precisa cumprir um papel extremamente importante no desenvolvimento cultural do aluno ao longo de sua vida, e não apenas investir em conteúdos que fazem passar no vestibular. Embora, hoje, seja esta a realidade.


A grande dúvida e que causa calafrios em muitos educadores é como essa distribuição de 60% e 40% pode ser feita. Além de haver um caminho específico pensando nos itinerários formativos, há uma diferenciação da organização dessa parte da Base com a da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Lá, todos os componentes curriculares são organizados com suas respectivas habilidades. Já no Médio, o professor inicialmente não vai ver sua disciplina de forma clara, pois as habilidades estão organizadas dentro de uma mesma área de conhecimento. Nesse ponto a Base peca, pois não deixa explícito como se deve trabalhar as disciplinas nem apresenta um documento de transição. Exige, portanto, um árduo trabalho de interpretação do documento. Existe o modelo de disposição em espiral do conteúdo e as habilidades fazem os componentes conversarem entre si, isso só precisa ser interpretado.


Não será uma tarefa fácil. Os professores estudaram em uma universidade focada muito mais na qualificação técnica do que prática. Não se estimulou, de maneira geral, a interdisciplinaridade, e esse é um elemento latente na Base. Além disso, há um grande desafio na implementação no que tange a atuação do professor que é pensar em como tornar o aluno protagonista. É urgente repensar a formação docente para fazer valer o que está na Base.


Outro ponto que deve sofrer alterações substanciais são os vestibulares. O vestibular em si não perde força porque continua sendo a entrada para o Ensino Superior. As matrizes do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e dos demais processos seletivos deverão ser elaboradas em consonância com a BNCC; a Matriz de Referência do ENEM deverá ser reformulada até 2022, por lei estabelecida nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Pela primeira vez, o país tem um documento que vai conversar diretamente com a prova do vestibular, e este estará sujeito a aquele; antes acontecia o contrário: a prova determinava o que a sociedade tinha que estudar, fazendo inclusive grandes distorções regionais nos currículos dos vestibulares.


Vale dizer: BNCC não é currículo, é bússola. A construção de um documento é o primeiro passo para que a escola passe a ter mais sentido. Este passo já foi dado. Antes, havia baixos índices de aprendizagem porque não havia nenhum norte. Agora, temos a BNCC, que é o norte de que precisávamos. Com todas essas mudanças, espera-se que o cenário mude. Mas, sabemos que um só documento não é suficiente. É preciso ter mais políticas públicas efetivas, formação de professores adequada e todo um conjunto de ações para melhorar a educação. Como já explanamos, o Ensino Médio não é o problema. Tudo começa lá na base da educação e vem se potencializando ao longo dos anos. A BNCC é o pontapé para que a gente possa construir uma sociedade plural e mais bem organizada, e também depende de nós, educadores, fazer essa missão ter êxito.


Ademar Celedônio é Diretor de Ensino e Inovações Educacionais do SAS e foi palestrante no GEduc 2019 - XVII Congresso Brasileiro de Gestão Educacional.


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